No
combate à gordura, todas as armas parecem atraentes, desde as
práticas mais simples até as mais sacrificantes, como os treinos em
jejum. A realização de exercícios antes do café da manhã já era
pregada há muito tempo, mas ganhou maior popularidade com o livro
Body for Life, de Bill Phillips.
Jejum
e cérebro
O
cérebro é um órgão extremamente ativo, apesar de constituir cerca
de 2% da massa total de um adulto, ele é responsável por quase 15%
de nosso gasto energético de repouso, em torno de 7,5 vezes mais que
os outros tecidos.
Tamanha demanda metabólica é devida
principalmente à condução de impulsos nervosos, pela bomba de
sódio-potássio.
Por que estou tocando nesse assunto ?.
Porque, em
condições normais, essa demanda energética é suprida pela glicose
sangüínea, e supõe-se que o jejum possa afetar negativamente o
metabolismo cerebral.
Em condições normais os níveis
sangüíneos de glicose ficam em torno de 80-90 mg/100 ml. Quando
permanecemos em jejum, inicia-se a gliconeogênese, com mobilização
das reservas de carboidratos do fígado.
Ocorre, em seguida, o
catabolismo das proteínas que são diretamente utilizadas pelos
tecidos ou convertidas em glicose.
Após esta fase de utilização de
proteínas e carboidratos, prioriza-se finalmente a mobilização da
gordura, com a formação de corpos cetônicos, que podem atravessar
a barreira sangue-cérebro e serem utilizados como energia. Se o
jejum prosseguir por muito tempo, intensifica-se novamente o
catabolismo protéico, desta vez de forma mais acentuada e
danosa.
Em repouso, um organismo saudável pode se adaptar ao
jejum com certa facilidade, mas diante de uma demanda metabólica
elevada, como nos exercícios a situação pode não ser tão
simples.
Muitas pessoas não conseguem se adaptar de forma eficiente
e o organismo procura se proteger induzindo desmaios.
Além dos
perigos envolvidos nos desmaios, há um muito mais grave: danos
neurais permanentes. Isto significa que se o a adaptação não for
rápida e eficientemente, seu cérebro pode ser gravemente lesado
(AUER, 1986; AUER et al, 1993; DE COURTEN-MYERS et al, 2000; DOLINACK
et al, 2000; NEHLIG, 1997).
Jejum
e queima de gordura
Diversos
estudos têm mostrado que a realização de exercícios em jejum leva
a economia de glicose e maior mobilização de gordura durante a
atividade e algum tempo após seu término.
Porém não devemos
esquecer que diante da escassez de alimentos o corpo pode entrar em
um estado de “racionamento de energia” diminuindo o gasto
energético, conforme verificaram pesquisadores coreanos (LEE et al,
1999).
Devemos lembrar que a quantidade de energia gasta após a
atividade, não é necessariamente relacionada à queima de gordura,
mas sim à sua intensidade (CALLES-ESCANDON et al, 1996; LEE et al,
1999).
Em pesquisa publicada em 1999, estudaram-se as
respostas hormonais em atividades aeróbias diante de duas situações:
1) jejum de 12 horas; e 2) ingestão de carboidratos (antes e durante
o teste).
De acordo com os resultados o jejum leva a maior oxidação
de gordura, refletido em um coeficiente respiratório menor.
Como
esperado, as taxas de glicose e insulina foram menores no jejum, com
a insulina permanecendo elevada 1,5 hora após o término da
atividade. Porém os níveis de cortisol (hormônio catabólico)
quase dobraram durante a pedalada e mantiveram-se 80% maiores 90
minutos após o fim do exercício, em relação ao grupo que ingeriu
carboidratos. (UTTER et al, 1999)
A ocorrência da maior
oxidação de gordura no jejum é um ponto pacífico, mas observe a
seguinte pesquisa e reflita sobre a relevância dos fatos.
Em estudo
realizado na Universidade de Vermont foram testadas as respostas
metabólicas durante e após uma atividade aeróbia em três
condições nutricionais: 1) ingestão de lanche sólido (43 gramas
de carboidratos, 9 de gordura e 3 de proteínas), 2) bebida com
frutose (65 gramas de frutose dissolvidas em 250ml de água) e 3)
água flavorizada (250ml de água adoçada com aspartame)
(CALLES-ESCANDON et al, 1991).
Os resultados foram os seguintes:
|
Oxidação de gordura no exercício
|
Diferença em relação ao placebo
|
Oxidação de gordura na recuperação
|
Diferença em relação ao placebo
|
Doce
|
266 mg/min
|
+ 8
|
75 mg/min
|
- 45
|
Frutose
|
261 mg/min
|
+4
|
93 mg/min
|
-27
|
Placebo
|
257 mg/min
|
---
|
120 mg/min
|
---
|
Os
resultados mostram que 60 minutos após se exercitar em jejum você
“queima” mais gordura do que se tivesse ingerido frutose (+/-30%
a mais) ou glicose (+/- 60% a mais) antes da atividade. Dentro da
matemática estes números parecem bem expressivos, mas na vida real
as coisas são diferentes.
Observe a unidade de medida, miligramas
por minuto, para expressarmos os valores em gramas devemos dividi-los
por 1.000.
Como exemplo, peguemos a segunda linha da tabela acima (a
iniciada com “Doce”), teríamos assim, uma diferença de 45 mg em
um minuto isto significaria que em uma hora você gastaria apenas 2,7
gramas de gordura a mais do que se tivesse feito um bom lanche.
Desta
forma, para que você consiga uma diferença de 1 quilo de gordura,
este mesmo número teria que se repetir mais de 370 vezes (mais que o
número de dias de um ano)!!! Por que algumas pessoas perdem peso se
exercitando em jejum?
Uma explicação razoável seria que, por bem
ou por mal, esta prática reduz o gasto calórico diário, pois você
obrigatoriamente passará de 8 a 12 horas sem comer, além de exigir
uma boa dose de determinação e disciplina, o que pode estimula-lo
na dieta e treinos.
Porém não existem provas suficientes
para defender o treino em jejum, por mais que se alegue uma maior
utilização relativa de gordura durante e alguns minutos após o
treino, estes números são inexpressivos quando expostos em termos
absolutos.
A própria ênfase na utilização de gordura durante o
treino é ultrapassada e remonta a discussão dos exercícios
aeróbios (ver A verdade sobre aeróbios e emagrecimento).
Também
não há provas científicas diretas para condenar totalmente a
realização de atividades físicas em jejum.
Empiricamente, vemos
que algumas pessoas se adaptam bem a esta situação, optando
inclusive por não se alimentar antes dos treinos.
Porém ressalto
que esta é uma questão individual de bem-estar e induzir alguém a
praticar atividades físicas em jejum com objetivos estéticos, sem
analisar seu quadro geral, não é um procedimento correto, de acordo
com as bases científicas atuais.
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